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Porque o crescimento espiritual não leva à iluminação

  • Christopher Wallis (Hareesh)
  • Aug 30, 2017
  • 7 min read

Em primeiro lugar, devemos deixar claro que o termo "iluminação" é, em muitos aspectos, mais um conceito ocidental do que um asiático tradicional. A palavra sânscrita bodha significa, dependendo do contexto: estar acordado, saber, compreender, sabedoria, inteligência, percepção, despertar, conscientizar, florescer, abrir ou expandir. É uma palavra cotidiana não um substantivo abstrato e isso não implica algum estado final de perfeição. Quando usado em contextos espirituais indica estar desperto e consciente da própria natureza real, da verdadeira natureza da realidade, ou de ambos. A palavra portuguesa "iluminação" implica - para a maioria das pessoas - algum tipo de super-sabedoria e / ou um estado de consciência superior que eleva aquele que o atingiu acima da massa da humanidade. A palavra sânscrita é mais doce, mais simples e mais humilde: indica acordar a realidade do que realmente é - e sempre foi-, tornando-se geralmente mais atento e aberto. Permanecer nesta atenção-consciente (awareness) aberta e viva é o objetivo da vida espiritual tal como foi concebido nas tradições do Yoga.



Em nossa cultura, no entanto, a busca da "iluminação" (que em verdade significa permanecer na atenção-consciente da realidade) tornou-se confusa e misturada com o projeto de auto-ajuda / auto-aperfeiçoamento. As pessoas falam sobre querer crescer e tornar-se uma pessoa melhor, sendo que muitas vezes imaginam que o ponto final deste processo de crescimento seja algo como iluminação. Isto demonstra uma falta real de compreensão da natureza do caminho espiritual - tal como concebido nas tradições asiáticas, de qualquer forma. Isso porque o despertar integral não é o ponto final do processo de crescimento e nem sequer, na maioria das vezes, aponta para a direção de qualquer crescimento ou evolução.


O que??!


Veja. Se você parar e pensar nisso você verá que é óbvio: de acordo com todas as tradições do Yoga sua verdadeira natureza sempre é perfeita, o núcleo do seu ser é a pura divindade radiante e você já é sempre um com a Consciência divina infinita que dá origem e apoia todo o universo. TAT-TVAM-ASI: você é aquilo, aqui e agora. Portanto, a realização dessa verdade não depende de nenhum grau de crescimento pessoal. Em vez disso, é uma mudança de paradigma na qual você deixa de se identificar com os fenômenos dentro da Consciência (por exemplo, pensamentos, emoções, imagem do corpo, etc.) e acorda ao fato de que você é a própria atenção-consciente - a única constante sempre presente no mundo em mudança de sua experiência.


E sim, é possível ficar tão acordado que você nunca mais adormeça novamente. Você não se torna um tipo de pessoa categoricamente diferente, você finalmente vê a verdade de forma tão clara e completa que não pode fechar os olhos, e assim você habita em um paradigma diferente de antes.


Agora, apesar de histórias fantásticas sobre "iluminação repentina", isso não acontece da noite para o dia. Assim como pode levar um tempo para despertar do sono físico antes de estar completamente acordado e claro, da mesma forma, uma vez que você tenha tocado a verdade do seu Ser, você deve manter contato, aprofundar e estabilizar a identificação com o campo da atenção-consciente por meses ou anos antes de se tornar seu estado padrão. Nesse processo, há um tipo de crescimento que é necessário: atingir um nível de maturidade no qual você sabe o que realmente quer e suas ações da vida diária refletem os anseios mais profundos do seu coração. Em outras palavras, você precisa crescer o suficiente para sair do seu próprio caminho e abrir espaço para que o processo de despertar se desenrole. Mas esse tipo de crescimento é um auxiliar necessário ao despertar, e não a sua causa.


Então, você tem que se perguntar: você está subconscientemente segurando a crença de que permanecer desperto para sua natureza real tem que esperar até que você tenha completado sua terapia, ou até que sua vida não seja uma bagunça, ou até você entrar em um retiro na floresta, ou até que você tenha alcançado samādhi? Você está gastando muito tempo e energia em um projeto de auto-aperfeiçoamento que produz apenas ganhos incrementais, sem primeiro acessar a fonte interna de Presença incondicional? Se assim for, você está sofrendo. E você não está sozinho.


Isso é o que parece realmente estranho de onde eu estou sentado: muitas pessoas estão fazendo uma espiritualidade do tipo auto-aperfeiçoamento e trabalhando muito para adquirir os traços que são subprodutos naturais de permanecer desperto (bodha-stha). Isso está acontecendo de trás para frente. Primeiro acorde ao que você realmente é, em seguida integre essa realização em todos os aspectos da sua vida. Acordar é realmente a parte fácil em comparação com a integração, mas muito mais difícil do que os dois é tentar integrar uma realização que você ainda não teve. Que é exatamente o que a maioria das pessoas neste jogo está tentando fazer. Eu sei, você teve experiências poderosas em que você provou sua essência divina; mas isso realmente não é o mesmo que acordar devidamente e largar a crença de que seus pensamentos, memórias e histórias têm algo a ver com quem você realmente é.


É tão simples: você não pode curar o "eu quebrado", enquanto ainda acredita ser ele. Ou você pode, mas é ridiculamente difícil. Em contraste, se você acorda e se centra na sua natureza real, então você pode abordar amorosamente quaisquer desalinhamentos no corpo-mente que precisam ser endereçados. Se você está disposto a fazer o trabalho de integração, cada camada de seu ser fica permeada pela poderosa energia da despertar. Você começa então a encarnar aquele despertar, algo benéfico para todos os seres. Se você não faz o trabalho de integração, mesmo se você estiver centrado no seu núcleo divino, você realmente não está beneficiando mais ninguém.


Isso é importante. Algumas pessoas acordam em sua natureza real e depois descartam o complexo mente-corpo e seus problemas em vez de trabalhar com eles. Isso é chamado de "transcendentalismo" por meus professores (e "espiritual bypass" por outros), porque essas pessoas procuram simplesmente transcender o corpo-mente. Em contraste, no caminho tântrico, procuramos permitir que a energia da consciência pura (chit-shakti) permeie todos os níveis da encarnação e aspectos da vida diária. Isso é chamado de integração. Mas, novamente, para fazer isso, você deve poder acessar a energia da atenção-consciente à vontade, o que leva prática.


Portanto, a integração é o verdadeiro crescimento espiritual, mas não tem nada a ver com tentar se recondicionar para se adequar a um ideal encontrado nos livros sobre espiritualidade ou na boca de um professor (o que a maioria das pessoas chama de crescimento espiritual). Em vez disso, significa fazer o que for necessário para abrir o sistema corpo-mente de forma a permitir que a energia do despertar flua sem impedimento e preencha todos os aspectos de sua vida (quando completo, isso é chamado mahā-vyāpti, a Grande Absorção no yoga tântrico).


Habitando no meio do mar de néctar, com meu coração-mente imerso unicamente na adoração de Ti [como substância de toda experiência], que eu possa atender a todas as ocupações comuns do homem, saboreando o inefável em tudo. ~ Utpala Deva


Esse processo de integração-e-corporificação envolve muita observação. Quando você separa um pensamento ou auto-imagem e o observa na Luz da Atenção-Consciente (novamente, assumindo que você tenha acesso essa Luz), você pode ver claramente até que ponto ele está desalinhado com sua natureza mais profunda e descartá-lo (por definição todos estão desalinhados até certo ponto, mas os pensamentos menos desalinhados podem ser úteis para um propósito específico). Para a maioria das pessoas, isso não acontece automaticamente. Eles precisam realmente fazer o trabalho de olhar e descartar; ou, no caso de saṃskāras ou experiências não resolvidas, procurar e digerir. Esta é uma distinção crucial. Isso explica porque algumas pessoas podem ser "iluminadas", mas não ainda integradas; sendo que caso estes se tornem professores, eles geralmente causam danos. Há uma diferença crucial entre ter acesso à Luz da Atenção-Consciente (prakāsha) e fazer o trabalho de ver o que faz e não reflete essa luz em sua plenitude (isto é chamado vimarsha, ou auto-reflexão).


Alguém que fez muito vimarsha e, portanto, derrubou suas auto-imagens e digeriu um monte de suas experiências não resolvidas, habita em um estado de liberdade chamado moksha. Essa pessoa é dita ser jīvan-mukta, liberada enquanto ainda está no corpo. Isto é significativamente menos comum do que o despertar ou mesmo o despertar permanente. É o objetivo final da vida espiritual, mas não é uma conquista, já que nada foi alcançado; em vez disso, algo foi perdido. É um estado de estar verdadeiramente sem peso e livre. Mas mesmo este não é um estado terminal, já que sempre há mais saṃskāras que podem ser digeridos e uma maior integração que pode ser feita. Ainda assim, há um ponto de inflexão além do qual você nunca poderia voltar ao estado de escravidão e ilusão. Passar este ponto de inflexão é o que causou o Buda dizer de forma simples e humilde, kṛtyaṃ kṛtam: o que precisava ser feito agora está feito..


Como seria para você soltar todos os projetos de auto-aperfeiçoamento baseados em um sentimento de indignidade ou incompletude e passar o seu tempo de prática aprendendo a acessar e permanecer no seu já-perfeito ser mais íntimo? Isso não é tão fácil quanto parece, uma vez que significa ir além de meramente se sentir bem em sua própria divindade e acessar a verdadeira questão, o que te torna mais humilde e amolece do que exalta e afirma (você aqui significa o complexo de personalidade corpo-mente).


E se você parasse de tentar ser uma "pessoa melhor" e simplesmente aprendesse a reconhecer e incorporar completamente o ser? Aquilo que você já é, sempre foi e será.


X X


Na linhagem Trika do Yoga Tântrico encontramos um ensinamento importante sobre as três fases para o processo de despertar e libertar. Na primeira fase, você desperta para o seu núcleo divino ou Ser real ou "alma" e então integra esse despertar (o que implica perder uma massa crítica do que não está alinhado com a sua "alma").


Na segunda fase você desperta para sua união com todo o universo, sua unidade perfeita com todo o campo da atenção-consciente amorosa e então integra esse despertar. Na terceira fase, você desperta para o terreno (ground) sem forma, o campo do potencial absoluto "além" da manifestação (ainda que a contenha), e então integra esse despertar. (Para ser mais preciso, você não desperta para o terreno sem forma, ele se levanta através de você, e 'você' se dissolve. Não mais um ser individual separado, apenas o Um. Em sânscrito, essas três fases são chamadas:


Āṇava-samāveśa ~ imersão em sua alma - essência ou ser interior

Śākta-samāveśa ~ imersão em todo o campo da energia

Śāmbhava-samāveśa ~ imersão no terreno (ground) do ser


Quando uma pessoa intencionalmente ou involuntariamente tenta alcançar a segunda fase antes da primeira fase - ou a terceira fase antes de ambas - os resultados podem ser confusos. É mais ou menos impossível sustentar e integrar a segunda ou terceira fase sem estabilizar as anteriores - assim argumenta a nossa tradição. Isso explica por que tantas pessoas que experimentam a consciência de unidade (segunda fase) ou o vazio absoluto (terceira fase) não conseguem integrar a experiência de forma sustentável ou saudável. É crucial se estabilizar no seu centro absoluto (fase 1, 'Imersão na essência') se quiser experienciar as fases dois ou três de forma sustentável. (Não que se trate de "querer", você é chamado mais adiante ou não.)



 
 
 
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