O poder das impressões sutis (teoria dos saṃskāras).
- Christopher Wallis (Hareesh)
- Aug 15, 2017
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A teoria yogui dos saṃskāras - impressões subliminares de experiências dolorosas/prazerosas do passado - é uma das contribuições mais fascinantes da Índia para nossa compreensão da psicologia humana. Resumidamente, quando experimentamos aversão a uma experiência dolorosa ou apego a alguma prazerosa, então uma impressão dessa experiência é estabelecida em nossa psique, que se diz ser uma "semente" potencial de experiência que brotará de novo, em algum outro momento, quando as circunstâncias forem favoráveis.
Em outras palavras, quando somos incapazes de se abrir (show up) completamente para qualquer experiência dada, um remanescente é depositado em nossa psique - ou, na teoria tântrica, no "corpo sutil" que é simplesmente a extensão da psique. Diz-se que o corpo sutil interpenetra e subjaz o corpo físico, sendo este um modelo para explicar como as experiências passadas não resolvidas moldam nossa relação com o corpo (e sua saúde) no presente. Na psicologia de tântrica, a metáfora da digestão é usada - quando somos incapazes de "digerir" completamente uma experiência dada, uma parte da "energia" dessa experiência é depositada e precisará ser digerida mais tarde, esperançosamente antes de se tornar tóxica e, assim, distorcer nossa experiência das pessoas e eventos no presente.
Esta descrição é, obviamente, simplificada demais. Na verdade, todos carregam com eles uma série de saṃskāras desta vida e vidas anteriores (já que o corpo sutil não morre com o físico) e essas impressões moldam inconscientemente nossas preferências e os pressupostos que projetamos sobre as pessoas e situações que encontramos. Quanto mais forte o impacto emocional de uma experiência, mais profunda a impressão que se forma, até surgir uma rede de impressões que funcionam como um filtro para a realidade. Algumas dessas impressões são "tóxicas" no sentido de que elas são tão fortes que criam respostas de medo exageradas quando nenhuma ameaça (ou apenas uma ameaça leve) está presente, ou criam apego a pessoas ou coisas que na verdade não são muito saudáveis para nós .
Por meio desse "filtro de samskāras" projetamos nossos pressupostos, medos e expectativas baseados no passado sobre a situação atual. Assim, não somos capazes de nos abrirmos para realidade da situação. Uma vez que o objetivo do yoga - e também do budismo - pode ser formulado como "ver a realidade com clareza", percebe-se como sendo de suma importância tomar conhecimento e dissolver os samskāras que obscurecem nossa visão. A teoria dos samskāras é, portanto, muito mais importante para a psicologia da yoga do que a teoria do karma. Karma, de forma geral, simplesmente nos dá a oportunidade de tomar conhecimento da bagagem de samskāras que transportamos (já que o nosso karma definitivamente criará situações em que esses samskāras serão desencadeados), bem como oportunidades para tomar consciência do que precisamos liberar.
Como resultado do despertar espiritual, nos tornamos mais auto-conscientes e mais atentos aos nossos saṃskāras e as formas como estão distorcendo nossa percepção. Isso nos permite compensá-los - por exemplo, em vez de culpar um ente querido por uma emoção que está surgindo no momento presente, podemos ver que eles são meramente o gatilho para a ativação de um antigo saṃskāra, observando nossa linguagem mudando de declarações como 'Você não se preocupa comigo' para 'Eu sendo ativado por um padrão limitante agora e então não me sinto seguro com você, mesmo que eu esteja'. Com o tempo, quando nos conhecemos, aprendemos a ver através dos véus lançados pelos saṃskāras e discernimos a diferença entre a realidade presente e os vestígios emocionais do passado.

Mas é claro que também queremos dissolver ativamente os saṃskāras, porque mesmo que sejamos conscientes de nós mesmos, sua força emocional sempre nos ilude e afeta até certo ponto. Diz-se que a prática espiritual "queima as sementes" dos saṃskāras para que não possam brotar de novo. Como isso acontece? São necessárias três coisas: abrir o corpo, abrir o núcleo emocional e auto-questionamento. O primeiro é abordado por uma prática física de yoga (ou outro trabalho somático profundo, arte marcial e alguns tipos de dança e teatro) que libera "energia estagnada" condensada em partes do corpo, resultando em liberação emocional.
O segundo é abordado por uma prática sentada de atenção-consciente, um tipo específico de meditação em que se cria um espaço aberto no qual saṃskāras não resolvido possam surgir e serem libertos. Usamos o termo sânscrito bhāvanā para este tipo de meditação em que se coloca de lado técnicas e fascínio com estados alterados (transe, bem-aventurança, etc.) e se senta com a atitude aberta e simples de "Estou disposto a ver o que quer que seja necessário, estou disposto a sentir o que tem que manifestar ". Esse tipo de meditação requer cultivo e prática diligente.
Em terceiro lugar, a auto-indagação crítica (ātma-vichāra) é solicitada: crítica não no sentido de julgamento, mas no sentido de uma inspeção cuidadosa de seu ser interior para garantir que você não esteja em negação (como quando você acha que terminou algum processo ou fase, mas na verdade não). Para esta terceira prática ter um sábio professor, consultor ou amigo espiritual que serve como espelho é inestimável. Sem auto-reflexão inabalável a jornada espiritual pode paralisar e ficar presa em um padrão habitual (mesmo que seja um padrão agradável).
Finalmente, também podemos dissolver saṃskāras em nossa vida diária sempre que forem desencadeados. (Esta é realmente uma boa notícia.) Quando um saṃskāra é desencadeado tem-se uma oportunidade de ouro: se você pode se manter completamente presente com a emoção que está surgindo (medo, dor ou desejo, por exemplo) e permitir que ela passe sem julgar - nem mesmo você por a tê-la - então uma porção do samskāra que está surgindo é dissolvida. É importante suspender o julgamento porque todos os julgamentos de valor são uma forma de resistência à realidade, sendo uma resistência que cria e fortalece saṃskāras. Note-se que mesmo o apego é uma forma de resistência, porque o apego é (entre outras coisas) o sentimento de "Não quero que isso desapareça" e, portanto, é resistência à realidade da impermanência. A psicologia ocidental concentra-se muito na dor e na sua cura - mas na psicologia do yoga, os samskāras decorrentes de nossas experiências de prazer precisam de "cura" tanto quanto. Isso porque os apegos que formamos também obscurecem nossa capacidade de experimentar a realidade como é, assim como impedem nossa capacidade de acessar a verdadeira alegria (ānanda), assim como acontece com os samskāras baseados na dor e aversão.
Não há saída, exceto através (There’s no way out but through). Saṃskāras não se afastam por si mesmos e, até serem dissolvidos, você não é verdadeiramente livre. Embora muitos saṃskāras mais leves sejam perdidos no momento da morte, os mais profundos são transportados para a próxima vida, e a próximo, até serem curados. Isso explica por que às vezes as pessoas experimentam intensas emoções traumáticas que parecem desproporcionais com o que aconteceu nesta vida. Por exemplo, se você foi queimado como "bruxa" em uma vida passada, mesmo uma leve perseguição ou marginalização nesta vida provocará uma intensa resposta emocional. Há inúmeros exemplos menos dramáticos. Saṃskāras de vidas passadas podem explicar fobias que não derivam de qualquer experiência de vida. Entretanto, mesmo os medos intensos podem ser dissolvidos, pouco a pouco, cultivando nossa capacidade de simplesmente permitir que eles passem sem qualquer rejeição ou reatividade emocional.
Esta prática de não julgamento e não resistência permite não só dissolver saṃskāras, mas além de tudo impede que outros sejam estabelecidos. Quando deixamos que novas experiências e emoções passem por nós sem se agarrar a elas ou resistir, nenhum saṃskāra é depositado, o que liberta o nosso futuro ser também.
PS: depois de ter dito tudo isso, importante informar que não somos particularmente a favor do fascínio com vidas passadas ou terapia de regressão da vida passada. Por quê? A filosofia do Yoga-sūtra, Bhagavad-gītā e a tântrica (minhas fontes primárias para esta publicação) todos nos dizem que uma prática de yoga (que inclui a meditação do tipo bhāvanā), em si mesma, acabará por resolver todos os samskāras, na velocidade determinada unicamente pela clareza da intenção de alguém, pelo rigor da auto-indagação e pela intensidade da própria prática. Logo, modalidades que dependem de especialistas - como a psicoterapia - podem ser úteis, mas não são estritamente necessárias, porque, felizmente, não precisamos lembrar de todas as experiências dolorosas, a fim de curá-las.