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Filosofia Tântrica para Leigos: Qual a causa da libertação?

  • Christopher Wallis (Hareesh)
  • Aug 8, 2017
  • 5 min read

O grande mestre tântrico erudito Abhinavagupta (Vale da Caxemira, c. 1000 EC) nos deu uma definição extraordinária de libertação espiritual - o objetivo de todo yoga - em sua obra-prima "Luz sobre os Tantras" (Tantrāloka), uma definição que despiu tal conceito das armadilhas religiosas e intelectuais:


"A libertação (mokṣa) não é diferente do Ser (Self), uma vez que é sua natureza real, infinitamente livre. Não é nem uma bagatela insignificante nem algo para fazer uma grande questão. Assim, um nome separado para isso sequer é necessário". || 1.31


Em outras palavras, uma vez que a libertação (em outros contextos, também chamados de "despertar" ou "atenção-consciente", bodha) é a sua [já existente] verdadeira natureza, não devemos ter um termo técnico para isso (como "iluminação"), justamente porque assim o fazendo corremos o risco de transformá-la em um objeto, uma coisa a ser alcançada, distante de nós mesmos. Na realidade, como sua verdadeira natureza, sempre esteve presente e sempre estará. Então, como você descobre e acessa completamente a sua verdadeira natureza? Através da humilde conscientização de que nossa visão da realidade é lamentavelmente incompleta:


"Para começar, no nosso sistema [Tântrico] é declarado em todas as escrituras que a visão incompleta (ajñāna) é a causa de todo o ciclo do sofrimento e a visão completa (jñāna) a única causa da libertação". || 1.22


Este é o alicerce da filosofia inteira de Abhinavagupta. Como o único "problema" é a ignorância (que ele define como visão incompleta em 1.25), a única causa da libertação é a percepção (insight) da verdadeira natureza da realidade. Mas essa percepção (jñāna) não é um pensamento ou construto mental; é a visão clara, não verbal ou conceitual (nirvikalpa). Essa visão é a única coisa que deve ser procurada, ele nos diz: todas as outras formas de atividade religiosa são simplesmente maneiras de passar o tempo, como brinquedos para crianças. (Mas Abhinava ensinou que mesmo a atividade ritual poderia ser uma maneira de cultivar a visão, embora geralmente não seja.)


Como sabemos que Abhinava não está falando sobre nenhuma forma de conhecimento conceitual e verbalizável quando ele usa a palavra jñāna? Porque ele diz:


"[Nossa escritura-raiz], o Mālinīvijayottara, refuta a vãs especulações sobre qual forma de conhecimento intelectual pode libertar [desde que tudo é] após a ativação do ciclo de sofrimento (saṃsāra) [e, portanto, não pode resolver sua causa] . Afirma simplesmente que, quando há ausência desta [ignorância], há libertação ". || 1.24


Assim, removendo a ignorância - tanto no sentido de crenças firmemente mantidas que estão fora de alinhamento com a realidade, bem como no sentido da atenção-consciente que não é abrangente - o insight surge automaticamente. Como poderia ser de outra forma, se a visão de que estamos falando é experienciar direta e não conceitualmente a natureza da realidade? Nosso foco deve ser expandir nossa visão das coisas para ser mais abrangente (Abhinava teria amado a história "Os cegos e o elefante"), bem como dissolver construtos mentais. Observe como tais abordagens são diferentes da agenda religiosa usual na qual se deve cultivar pensamentos "certos" (chame-o de dogma, crença ou doutrina, tudo é o mesmo). Em seguida, Abhinava continua a definir a visão libertadora desta maneira:


"O que revela uma atenção-consciente cada vez maior da realidade a ser conhecida, juntamente com os princípios (tattva) [que a constituem], é o que chamo de" visão verdadeira "(true insight - jñāna) que [naturalmente] se torna cada vez mais abrangente e leva à cessação dos vários ciclos de sofrimento ". || 1.32


O meu comentário sobre esses quatro versículos-chave:


Então, em resumo, o caminho do tantra não dual nos apresenta uma proposição radical: que já somos seres libertos e nosso único problema [sempre] é a falta de consciência disso ou a fixação da atenção-consciente em objetos e formas finitas e temporárias. Considere isto:


Simplificando, estamos condicionados a prestar mais atenção ao que é periférico e efêmero (o que pode ser nomeado e conceituado) e menos atenção ao que é central e permanente (o que não pode ser nomeado e, portanto, não tem valor para a cultura). Por exemplo, ao prestar atenção às nossas construções de identidade ("Eu sou um brasileiro", "Eu sou um hindu", "Eu sou uma boa pessoa", etc.), nós lhes damos energia (o poder da consciência!), que faz com que tais histórias "cresçam" desproporcionalmente em nossa consciência. Em um ciclo vicioso, tais histórias aumentam e necessitam de mais energia para se manter, até que estejamos absolutamente convencidos de sua realidade. Nós esquecemos que não são nada além de pensamentos. Mas se simplesmente aprendemos a dar a mesma quantidade de atenção (ou, de preferência, mais) ao terreno imutável de todos os pensamentos, o "céu" no qual as nuvens de pensamentos, sentimentos, sensações e identidades vão e vem, então ao longo do tempo o silêncio e a presença tornam-se cada vez mais poderosos e tangíveis. Então você percebe diretamente do que Abhinava está falando: que você já está liberado, em sua verdadeira natureza. O fato de você estar atualmente usando essa liberdade para fortalecer suas "histórias" até que elas pareçam reais e vinculativas apenas prova seu ponto. Você é tão livre que é livre para se contrair e aprisionar.


O que, você pode perguntar, é o "terreno imutável" de todos os seus pensamentos e sentimentos? Bem, isso é impossível de colocar em palavras, então você tem que descobrir por si mesmo. Eu chamo de "chão" porque todos os fenômenos internos (pensamentos, etc.) emergem e se dissolvem novamente nele; parece "imutável" porque é um campo de potencial infinito, um vazio grávido com a possibilidade de tudo - de modo que não é uma coisa, um fenômeno ou uma experiência, é "imutável". Como disse Ramana Maharshi: "Os pensamentos vêm e vão. Sentimentos vêm e vão. Descubra o que permanece". Quando você vê a realidade na perspectiva do terreno imutável do seu ser, esse é o "insight" no sentido a que se referia Abhinavagupta.


PS: Claro, esse problema de atenção mal colocada não é tão insignificante, porque ele conduz diretamente a todos os atos de crueldade no mundo. Os seres humanos machucam e se matam porque prestam atenção e acreditam nos pensamentos em suas cabeças (especialmente em suas construções de identidade). É a causa direta de todos os conflitos. Como poderia haver violência hindu-muçulmana (por exemplo) sem crença nos pensamentos "Eu sou um hindu" e "Eu sou muçulmano"?


E para que não pense que a filosofia apresentada é anti-intelectual, pondere sobre o seguinte: você não precisa acreditar que um pensamento é realidade para usá-lo como uma ferramenta. Como qualquer outra ferramenta é uma maneira de interagir com a realidade. Você pode usar um martelo para matar ou construir um abrigo, ou você pode simplesmente deixá-lo estar lá. Todo pensamento é o mesmo. Logo, os pensamentos são ferramentas, não verdades.


Nota: aqui estão os versos sânscritos que eu traduzi acima (por favor, note que o sânscrito de Abhinava é altamente elíptico e especializado, e só pode ser traduzido corretamente por alguém íntimo com seu pensamento, como aprendi da maneira mais difícil):


स्वतन्त्रात्मातिरिक्तस् तु तुच्छो ऽतुच्छो ऽपि कश्चन ।

न मोक्षो नाम तन् नास्य पृथङ्नामापि गृह्यते॥ ३१

svatantrātmātiriktas tu tuccho 'tuccho 'pi kaścana /

na mokṣo nāma tan nāsya pṛthaṅnāmāpi gṛhyate // 1.31

इह तावत् समस्तेषु शास्त्रेषु परिगीयते ।

अज्ञानं संसृतेर् हेतुर् ज्ञानं मोक्षैककारणम् ॥ २२

iha tāvat samasteṣu śāstreṣu parigīyate /

ajñānaṃ saṃsṛter hetur jñānaṃ mokṣaika-kāraṇam // 1.22

विशेषेणेन बुद्धिस्थे संसारोत्तरकालिके।

सम्भावनां निरस्यैतदभावे मोक्षम् अब्रवीत्॥ २४

viśeṣeṇena buddhi-sthe saṃsārottara-kālike /

sambhāvanāṃ nirasyaitadabhāve mokṣam abravīt // 1.24

यत् तु ज्ञेयसतत्त्वस्य पूर्णपूर्णप्रथात्मकम्।

तद् उत्तरोत्तरं ज्ञानं तत् तत् संसारशान्तिदम्॥ ३२

yat tu jñeya-sa-tattvasya pūrṇa-pūrṇa-prathātmakam /

tad uttarottaraṃ jñānaṃ tat tat saṃsāra-śānti-dam // 1.32


 
 
 
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