Purificação dos cinco elementos
- Anuloma e Dr. Robert Svoboda
- Jul 28, 2017
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Uma das definições utilizadas para o método utilizado na Tantra é bhuta shuddhi, que significa purificação dos elementos. Literalmente bhuta significa qualquer coisa que tenha sido criada. Logo, o que se busca é a purificação do universo manifesto para que este não interfira com a nossa percepção do que está acontecendo no momento, nossa percepção da realidade que não é limitada pelo tempo, espaço ou pela causalidade. Tudo que já existe obviamente existe porque foi criado, seja pelos cinco elementos fundamentais (terra, água, fogo, ar / vento e espaço), pela nossa mente na forma de memórias, construtos mentais e projeções, pelos memes que se apoderaram de nós ou até mesmo por seres etéreos ao nosso entorno. Sem dúvidas os bhutas mais importantes que devemos purificar são os cinco elementos, os maha bhutas, porque são a eles que nossos órgãos dos sentidos se conectam ao ter acesso a experiência da realidade. Obviamente, quando dizemos elementos não estamos nos referindo a objetos, mas sim as forças da natureza ou fases de energia que possuem determinado conjunto inerente de qualidades e, acima de tudo, sensações. (vide a tabela ao fim)
O elemento terra se relaciona com tudo que é sólido em condições naturais, bem como com a qualidade de estabilidade. Todavia, com a estabilidade vem tamas (guna ou qualidade da inércia) que acaba entrando pelos órgãos dos sentidos e comprometendo nossa atenção-consciente. Assim, a intenção de purificar seria com intuito de se relacionar com a estabilidade e solidez do elemento terra, por exemplo, sem deixar que a impressão da inércia afete demasiadamente a nossa consciência. Nesse caso, na maior proporção que você encontra o elemento terra dentro de você nas qualidades de estabilidade, rotina e firmeza, menos você vai precisar do elemento terra externamente. Caso você cultive uma boa relação com o elemento terra vai perceber que ele sempre te suporta para fazer o que precisa, mas é bom saber que não é imprescindivel que este apoio esteja fora se as qualidades do elemento terra forem interiorizadas. A estabilidade é imprescindível para manter nosso corpo, nossa auto-identificação, manter nossa atenção e foco e também nos manter no nosso propósito existencial.
Por sua vez o elemento água (āp) engloba todas as coisas líquidas, inclusive o nosso corpo e a maioria dos seres vivos que são majoritariamente compostos de água. Vinculados à água estão também o sabor e as emoções, chamadas em sânscrito de rasas. Devido à inata característica de fluidez, o elemento água dentro do corpo precisa de circular, principalmente porque é a água que servirá de meio e moverá todos os outros elementos dentro do corpo. Por exemplo, a água deve carregar o elemento terra no corpo, para que não decante e se calcifique por exemplo, o elemento terra também não pode ser muito diluído ou denso mas exatamente na proporção correta para nutrir os tecidos e órgãos. Por sua vez a água tem que manter uma boa relação com o elemento fogo. Apesar de serem antagônicos, eles existem em conjunto no corpo, como no caso do suco gástrico, das enzimas e da bile. Tais elementos devem estar nos locais e proporções corretas nos corpo, assim como as emoções, que devem fluir naturalmente e sem obstrução. Como é o elemento de maior proporção no corpo, muitos tantricas focam sua atenção nele, por isso alquimia ocupa grande espaço no Tantra, denominada rasa vidya. Curioso ressaltar que o sucesso na alquimia se dá, segundo algumas escrituras, quando você consegue desafiar a gravidade e transformar metais base em ouro. Quando isso acontece, existem grandes chances de o praticante ficar envolvido com a capacidade de modificar o mundo externo e se esquecer do mundo interno, que também pode ser alquimicamente reconfigurado. Obviamente controlar o elemento água não é fácil, mas você pode começar purificando-a, contemplando a oportunidade desse elemento trabalhar para você.
Fogo (agni ou tejas) possui um papel especial, não só porque é o intermediário entre os elementos mais densos (terra e água ) e os mais sutis (ar e espaço) e porque atua na transformação dos elementos, mas porque sempre foi visto pelo Rishis (grandes mestres e profetas) como o mais especial dos elementos. Por exemplo, a primeira palavra do Rig Veda é agni, que significa o elemento fogo. A base de todos os Vedas é o fogo, oferecer coisas ao fogo e transportá-las ao mundo imaterial, sendo que depois disso o mundo imaterial responderia de forma apropriada. Logo, purificar o elemento fogo é importante, porque se você busca atingir aspectos mais sutis da existência vai precisar de excelente fogo interno (fogo digestivo, vitalidade e metabolismo em geral). O elemento fogo é responsável pela combustão e digestão, não só dos alimentos mas das experiências de vida em geral, bem como a capacidade de discernimento e clareza de visão.
A purificação do elemento ar/vento (vāyu) é destacado no yoga sob o nome de pranayama. O trabalho do ar/vento é se mover, caso contrário se estagnar causará algum tipo de dano no organismo. Com todos elementos acontece algo semelhante mas principalmente com vayu é muito importante purificar os canais (nadis) nos quais esse elemento, na forma de prana (chi, ki ou energia vital), irá se mover. Desses canais os mais relevantes certamente são ida, pingala e sushumna nadis, respectivamente no lado esquerdo, direito e dentro da coluna vertebral. Ida e pingala, relacionados com as narinas esquerda e direita alteram o funcionamento durante o dia (teoricamente a cada uma hora e meia). Uma das formas mais conhecidas de balancear estas nadis é o nadi shodhana, pranayama de narinas alternadas, que pode ser feito com auxílio dos dedos para bloquear as narinas ou única e exclusivamente com uso da atenção-consciente, já que sabemos que o prana vai onde a atenção determina.
Neste ponto cabe destacar que apesar de querermos purificar os elementos não sabemos exatamente como ou se determinada técnica vai obter os resultados que desejamos. Em verdade, tudo que estamos fazendo é criando a intenção, algo como: “Oh realidade suprema, experiência do cosmos e de todos os multiversos, eu gostaria de me mover nessa direção e vou realizar determinada prática, sendo que é minha intenção que tal prática me auxilie no meu caminho, por favor eu imploro me dê suporte e apoio...OM”. Assim, apesar de realizar algo que foi dito lhe auxiliará a purificar, o que está acontecendo na realidade é que está encorajando o seu organismo a se purificar, motivo pelo qual sempre é importante checar se isto está de fato acontecendo.
O último elemento é espaço (ākāsha), que antes era denominado de éter, o mais refinado e sutil dos elementos. É o tecido do espaço-tempo, o espaço onde tudo acontece, onde particulas quânticas surgem a todo momento por um tempo e se dissolvem. Akāsha significa brilhar, mas não um brilho visível pelos olhos porque é muito mais sutil do que a visão. É aqui que acontece a ruptura entre a física moderna e a física antiga, pois a moderna diz que o espaço é o elemento final e a antiga diz que chegando no espaço é que se pode adentrar no campo da consciência de onde tudo surge.
Por fim, importante destacar que o motivo pelo qual purificamos os elementos é para ir além do elemento espaço, para o local que cria o elemento espaço e os demais elementos. Os órgão dos sentidos existem com o propósito específico de filtrar informações do ambiente com intuito de garantir nossa sobrevivência. A questão é que, como os sentidos têm se mostrado úteis por milhares de anos, temos dificuldade para confiar e acreditar na realidade que não provém da experiência sensorial. Além disso, nossa experiência sensorial muitas vezes é obstruída por impurezas criadas por hábitos sensoriais e construtos mentais, motivo pelo qual no caminho de alinhamento com a realidade suprema, ter uma experiência mais crua e pura dos elementos e sensações existenciais é imprescindível.
Abaixo se encontra uma tabela transcrita de nossas anotações em retiro informando as qualidades e características de cada um dos elementos, bem como fazendo a conexão entre microcosmo e macrocosmo.
