O despertar completo da Kundalini - Segunda Parte
- José Garajau e Dharma Bodhi
- Jun 20, 2017
- 4 min read

No texto da última semana, concentramos nossos esforços na definição do que é a Kundalini.
Partimos do pressuposto de que é um conceito muito utilizado no mundo do Yoga na atualidade. Sabemos que há até mesmo uma “marca registrada” de um método de Yoga que carrega esse termo consigo. Ademais queremos que o leitor e o participante de nosso grupo de estudos compreenda o Yoga como uma ciência que cresceu a partir do xamanismo, em um contexto específico de vivência mais próxima à natureza na qual a prática xamânica passou a ser refinada e codificada. O fundamento principal desse processo é o de que os ciclos da natureza, os espíritos, elementos e elementais todos acontecem dentro do corpo.
Dito de outra maneira, a prática usual de se controlar espíritos e potencializar a cura humana através da concentração de poder, ao invés de se voltar para o desenvolvimento individual, foi sistematizado pelos yogis de modo a fundir essa sabedoria do complexo corpo/mente/energia individuais como uma manifestação inseparável da natureza como um todo. O Yoga como metodologia passou a representar a possibilidade de otimização máxima da vida humana, como uma jornada completa de um ser humano, partindo da ideia de que é possível sustentar a base da experiência humana: energia, mente e consciência ilimitados.
Como é possível fazer com que essa experiência de existência assim seja, momento a momento, dia após dia?
Como podemos de fato vivenciar a iluminação?
Os Yogis perceberam que essa experiência não é um vazio. Mas uma completude que envolve o corpo. A força vital física pode ter uma manifestação iluminada. A palavra Kundalini surgiu para conseguir descrever essa experiência de evolução energética através da tradição do yoga, passando a ser ensinada e transmitida desde então. Afinal de contas, é muito difícil despertar algo que você não sabe exatamente o que é. A Kundalini não é uma energia em sua coluna. Isso seria uma forma extremamente reduzida de se definir o potencial iluminado da humanidade como um impulso elétrico que sobe sua coluna.
Por isso, nos aprofundaremos em uma questão central: nos três tipos de Kundalini.
Muito do que se escreve sobre esse assunto diz respeito ao que é chamada de - sva - Kundalni. Sva significa Ser (Self). Então, a Kundalini do Ser. A iluminação do ser. Quando os Yogis trabalham suas energias kundalini individualmente movendo-a para cima e para baixo, o que estão fazendo está nessa instância. Quando a energia da consciência humana muda nosso caráter, nossa natureza, nosso karma, ao invés de acumularmos mais karmas, nós a torcemos. Nosso corpo é desenhado para viver muito mais do que 70 anos. O trabalho com Sva Kundalini torna o indivíduo forte, dá a ele poderes paranormais. As pessoas que buscam esse tipo de desenvolvimento geralmente querem se tornar heróis como em filmes. E isso é especialmente problemático, já que é uma inspiração motivadora praticar fortemente quando se vê a possibilidade de se adquirir tais poderes; porém essa experiência deve continuar a se expandir.
Já vimos que Ahamkara (o construto de sua auto-imagem) e Apana Vayu (o vento de energia descendente) são duas formas de Kundalini. Quando Ahamkara predomina, a ideia de um “eu" separado de todo o resto do mundo manifesto é predominante. Essa é a energia do uso, da sedução, da dor, da manipulação, do medo e a da guerra. É a energia se movendo para baixo, a identificação com a limitação e a terra. Quando se move para cima, ela nos expande.
Quando isso acontece, é Kundalini. Quando se contrai, Ahamkara.
Se você quer desenvolver sua consciência, se quer desenvolver o seu potencial, como nós estamos nessa base, como humanos, não tente elevá-la. Não pegue o que nos mantém na terra e eleve junto com ela. Por que?! Por que é justamente isso que Sva Kundalini quer que façamos. Esse é o estágio de suposto domínio da energia vital. Sem o entendimento crítico do que é o desejo puro. É o que faz a vida espiritual de muitos se despedaçar. É o que as torna mentalmente sem chão, iludidas no estado de iluminação pomposo que atingiram. Por que o estágio de entendimento da energia vital (o desejo) foi suprimido. E temos que começar com ele.
Como?
O primeiro movimento deve ser para baixo. Se você já se sente separado e quer a unidade, espere. Não estamos tão lá embaixo como pensamos estar. Achamos que as energias estão lá embaixo e queremos elevá-las. E sem a auto-reflexão dessa descida, não somos capazes de refletir sobre nosso caráter, sobre nosso comportamento, sobre as energias negativas de toda a nossa existência, memórias, conhecimento, corpo, doenças. Se queremos trazê-las à tona e usá-las, precisamos chegar à noite escura da alma.
É claro que devemos despertar. Despertar para algo. Mas esse despertar acima de tudo deve se dar para a nossa situação real. Isso significa que devemos ter sanidade básica, acabar com qualquer ilusão sobre nós mesmos, com qualquer motivação falsa. Nós nunca sabemos nossa verdadeira motivação com tanta facilidade. Nós temos que quebrar tudo isso. E isso representa um “despertar descendente”. Examine qualquer crença sobre si mesmo. Sobre os outros. Sobre o mundo. Desconstrua sistematicamente todas elas. Isso se inicia ao se compreender e aceitar nossa situação verdadeira, o que não é tão fácil. Na realidade é algo bastante complicado. Mentimos para nós mesmos por anos até reconhecermos que levamos uma vida de merda.
Por essa razão, nossa tradição é munida de uma série de ferramentas (como o hatha yoga, a astrologia e o ayurveda) que contribuem para que encontremos os nossos “símbolos fechados”, ou seja, aquele que é nosso “combustível essencial” mas que não conhecemos, aquilo que existe em nós no nível inconsciente que apenas uma grande quantidade de energia consegue desdobrar. Caso levemos esses símbolos conosco em nossa vida espiritual, podemos agir como se tivéssemos evoluídos sem de fato termos mudado. Kundalini é um crescimento pessoal que precisa acontecer. Precisamos olhar e olhar para nós mesmos. Só assim Kundalini pode despertar, ascender e descer novamente para a semente energética do coração.
Nesse lugar, o segundo tipo de Kundalini se manifesta: kula kundalini.